O olhar é mais importante do que o falar. O último filme de Fábio Carvalho, O General, é um convite à reflexão. É uma obra difícil para um espectador mediano acostumado com a decupagem clássica hollywoodiana, mas instigante para os apreciadores de um cinema reflexivo e inventivo. Fábio Carvalho retoma a tradição do cinema feito
Lola Mendes |
Temáticas do cinema da década de 60 voltam como se fosse uma viagem no tempo e no espaço. O bar, mais uma vez, faz parte da geografia e da cultura desse novo cinema mineiro. É, outra vez, o local de enclausuramento, o lócus da solidão, das solidões compartilhadas, do tédio. A cena dos três amigos no banheiro é emblemática e trágica. “É melhor morrer de vodca do que morrer de tédio”, a frase é de Maiakovski e chave para o deciframento de partes do filme.
A personagem dançando representada por Ingra Liberato lembra o filme Pastores Desavisados, de Ricardo Teixeira de Salles, quando Marilena Martins dançava um balé etéreo, repetitivo e sem perspectivas. Aqui, agora, quem dança com ela é Paulo César Saraceni, com o letreiro “o cinema nasceu mudo”, reforçando mais uma vez a não necessidade da fala.
Isabel Lacerda |
Anna Maria Nascimento Silva |
8 e Meio de Fellini é intercalado várias vezes durante o filme, até que, em um determinado momento, Guará fala de sua paixão por Marcelo Mastroianni e Claudia Cardinale e uma mão acaricia o filme na tela da televisão. É uma relação amorosa entre o diretor e seu objeto. Guará brincando com as atrizes Isabel Lacerda e Eleonora Mendes saiu diretamente de um filme de Fellini.
Fábio Carvalho não esquece de outro diretor cultuado pela geração de 60, John Cassavetes, presente com o filme Faces. O seu compromisso com o cinema é tão grande que não se preocupa em momento algum em agradar ou desagradar ninguém. É um poema de amor a Belo Horizonte, uma cidade estranha, esquisita mesmo, mas é aqui que vivem estes personagens que transitam por ela. A longa sequência final mostra uma janela como se fossem diversos fotogramas de uma mesma paisagem, Belo Horizonte múltipla, poética, patética e cômica. E esse é o seu olhar comprometido com um modo diferente de mostrar e ver as coisas. O General não é um filme de público, mas, com certeza, provocará número infindável de discussões.
Algumas pessoas com quem convivo dizem que para um filme dar certo precisa ser comunicativo, estar sintonizado com o mercado, agradar ao público, em primeiro lugar. E onde fica o prazer do fazer cinematográfico? Da experimentação? Cinema deve ser brincadeira, jogo lúdico, embuste, enganar o público, indicar caminhos que levem a pistas falsas, construir personagens misteriosos, reverter à culpabilidade, indiciar inocentes. Tudo isso pode ser Hitchcock ou David Lynch. Por isso são muitas vezes execrados e incompreendidos pela crítica, porque não se levam a sério. Cinema, sobretudo, deve ser uma paixão e um prazer para quem faz.Fotos de Lincoln Continentino.
Nenhum comentário:
Postar um comentário