segunda-feira, 4 de outubro de 2010

LA RAPADURA ES DULCE PERO NO ES BLANDA QUE NOCHE BARILOCHE (Fábio Carvalho)

Para Gabriela Demarco e Abel Monasterolo
Atualmente, basta apertar um botão para ouvir imediatamente em casa todas as músicas do mundo. Vejo claramente o que se perdeu. Que se ganhou? Para alcançar toda beleza, três condições me parecem sempre necessárias esperança, luta e conquista. Em seguida vem o amor louco.
Luis Buñuel – Meu último suspiro







Câmbio amigos,




"vous savez" que a direção é a função mais solitária do mundo, ela se realiza dentro da cabeça. Especialmente depois das filmagens, em que você com no máximo para descobrir a alma do filme, sem resquícios das facilidades ou das dificuldades da hora da filmagem.
Digo isso, pois não sei se fui claro noutros e-mails que enviei, ou mesmo se todos vocês os receberam.
Então o Frankenstein que vimos no encerramento do Festival de Inverno não é nem de longe o resultado do nosso trabalho tão intenso, tão criativo e proveitoso, acredito, para todos nós.
Estou me preparando agora para ver as quase 18 horas de imagens e mais os 40 minutos de música produzidos pela oficina do Túlio Mourão que nem sequer tive como ouvir. E depois partirei para a montagem e finalização desse nosso trabalho como ele bem merece.
Vou chegar à alma do filme que está ali à espera da lapidação... O Túlio é um músico de rara sensibilidade para com as imagens, sem dúvida, vamos nos aprofundar nessa questão. E o curioso é que na sua longa carreira, também tocou com Raul Seixas.
Desde que voltei tenho sonhado com as imagens e com as pessoas envolvidas. Só vou me livrar desse fantasma quando terminá-lo. Me refiro ao fantasma do filme, de vocês espero não me livrar jamais. De novo Buñuel, “LE FANTÔME DE LA LIBERTÉ”.
Todo filme é assim. Um organismo vivo que impõe suas próprias necessidades.
Estamos todos de parabéns e com certeza enriquecidos após essa experiência.
Isto posto, sugiro o livro do Marcelo Baiotto que esteve conosco em Diamantina que, a começar do título, já é sensacional:
"MOVIMENTOS RÁPIDOS DE RETINA".
Além de um texto radical que me lembrou José Agripino e uma diagramação curiosa tem um projeto gráfico e uma capa muito bem cuidados, tudo feito por ele, em uma produção totalmente independente. Vale a pena.
Sugiro também uma visita aos trabalhos da nossa colega Fernanda Ocanto na internet. Grande artista plástica com belíssimo trabalho a óleo, além de uns "penetráveis" geniais como o "VAGINBALL" que ficou na porta da Escola Guignard durante um tempo. Venezuelana que já morou em Cuba e foi parar em Diamantina, não sei se está recebendo nossos e-mails, preciso reencontrá-la. E a intrépida Laurinha que sabe tudo de produção, mesmo sem nunca ter trabalhado no cinema, depois do Glauber Roque está no inquérito. Não quero perdê-la para futuras produções. Ontem estive com Dom Fabrício no fabuloso MUSEU DA HISTÒRIA NATURAL e ele me garantiu a finalização do nosso filme. AVE MARIA NOSSA SENHORA. Dalai Lama dizia: “confie em Deus, mas tranque seu carro”. Sábio conselho. Embora haja quem diga que o universo conspira a favor, é preciso fazer a sua parte. Tim maia já dizia: tudo é tudo e nada é nada.


Torço, e dou meu apoio mental, para que o Lúcio esteja trabalhando no seu filme "ATORMENTADOS” que nasceu em Diamantina.
Alô Tau, vai estar aí na jornada de cinema do Guido o nosso mestre do cinema experimental Luis Rosemberg Filho, super ativo. Ele morou com Glauber na França dentre outras mil e uma aventuras. É autor de longas extraordinários como “A$$UNTINA DAS AMÉRICAS” e “O SANTO E A VEDETE” além de dezenas de curtas em vídeo. Já falei com ele de vocês, do NOVOCINEMANOVO e mais próximo te sinalizo para vocês se encontrarem aí. Vamos articular a vinda do Roque. Até o fim da semana chega no seu endereço outros filmes meus.
Acho que a nossa linda e talentosa Beatrice Attrice está mandando seus e-mails para uma pequena lista, penso que era bom abrir para todos. Ela e a Dryka Sobrancelhas de Malu Mader, aluna do mestre Athaídes, com talento inato de produtora de clima, sem sombra de dúvidas, são as pisadas mais sexys que as pedras de Diamantina já sentiram.
Essa lista para a qual estou enviando é maior, ainda faltando uma parte especialíssima: os atores. Que medo! E todos foram incríveis, fizeram seu trabalho com uma entrega total, o que todo diretor sonha. Mesmo com meus atores mais recorrentes não encontro tantas facilidades. 
Que bom que Antônio apareceu, estava sentindo a sua falta, como disse noutro e-mail. Dele posso dizer que nunca vi personalidade tão clara de roteirista. Me disse que quer fazer publicidade, vai ser redator e ganhar dinheiro, mas quando fizer cinema, a auto-estima de todos nós vai ficar mais alta. 

A Renatinha fez um ensaio fotográfico magnífico, disponível no link abaixo e, acredito, vai nos surpreender a todos com o que filmou nos bastidores do nosso devaneio. E como disse o Tau, ela tem o dom da ubiquidade. Vamos ter olhos para ver. Meu velho amigo Wellington Pedro fotografou as filmagens na Sentinela, disponível no outro link também abaixo. Só ficou faltando fotos das três brisas do vento, que o Nem de Tal, pai do Lucas, fotografou e acho que Alex também, quando chegarem até a mim, ponho na nossa rede.


Tenho notícias que o Filipe está prestes a realizar um trabalho fundamental sobre sua terra natal Papagaios.


Que coisa, estou parecendo um jornal.


Sem mudar de alhos para bugalhos, já que o assunto é cinema, quero dizer que passei uns 3, 4 anos sem ver qualquer lançamento no cinema ou em dvd. Os nacionais eu não tinha o menor saco de ver. Os filmes favela e de violência muito menos. Os “Globo Filmes” do Daniel Filho ou do Guel Arraes, com os mesmos atores de sempre, eram meu calvário. Não podia nem ouvir falar em Fagundes ou no Selton, ou até no Cacá Diegues e no Wilker, que tinha ânsia de  vômito. E ainda: nem no Nachtergaele e no Wagner que, como todos sabem, são ótimos atores. Mas fiquei com birra. O Lázaro, que vi e gostei na sua estréia no “MADAME SATÔ no festival de cinema de Vitória, logo entrou para o mesmo time e logo em seguida entrou, também, o João Miguel. Claro que fui obrigado a ver numa cópia pirata o “TROPA DE ELITE” todo mundo só falava desse filme, passei mal. Que bobagem, mas era assim.


Já tenho minhas idiossincrasias, deve ser por causa dos meus 250 anos.


Durante esse período, me dediquei então a ver e rever os mestres: Buñuel, Lang, Hawks, Ophuls, Renoir, Bresson, Marker, Rosselini, Bergman, Welles, Antonioni e tantos outros que sempre me encantaram como Stroheim e Houston. Dos brasileiros, via Humberto Mauro, chegando a ver GANGA BRUTA três vezes seguidas, e Glauber, Sganzerla, Fernando Campos, Saraceni, José Sette, e outros grandes além de meus amigos invariavelmente fora de mercado; curtas só nos festivais em que era convidado, dependendo do horário, ou seja, uma maluquice total. Nesse período, vi um filme incrível do Roque, parceiro do viajado Tau, feito com as sobras do IDADE DA TERRA, montados pelo meu amigo grande cineasta e filósofo Ricardo Miranda. Também um filme terrível e genial do Wim Wenders chamado MOOVIE’S NICK, com Nicholas Ray e outro não menos genial, chamado TOKIO GA, sobre o cinema do Ozu.


Wim Wenders e aprendenders.

Bom, finalmente saí desse paraíso e voltei a assistir também aos blockbusters e aos filmes da hora, como todo mundo faz.
Então vi alguns novos bastante interessantes. Para resumir, cito dois recentes: o último do Scorsese, com o Leonardo Di Caprio finalmente em grande atuação, e o último do Polanski “GHOST WRITER”. Tema bem próprio ao nosso tempo, terminado pelo Polanski na prisão do seu chalé na Suíça.
Fiquei impressionado com os dois geniais artistas plásticos da oficina do Abel, o Sérgio e o Cabral, criação a toda prova, não quero perdê-los de vista.
Comecei de novo a ver todo tipo de filme, fui até nos multiplex do Pátio. Passei de radical a radical chic. O manifesto do NOVOCINEMANOVO já diz: Temos que assumir o defeito especial. Levarei comigo meus encontros com Abel Monasterolo, esse grande artista de Santa Fé, terra do Fernando Birri. As oito horas da manhã, depois da casa louca do D.A., ouvindo os Juscelinos, escalamos a casa da glória, e ele me disse: “Que noche Bariloche.” Sou seu fã. Vi ontem em dvd o filme do Almodóvar ABRAÇOS ROTOS. Apesar de gostar dele como gosto do Woody Allen, por uma grande preguiça, não os via há muito. Estranhamente, adorei. É uma novela, gênero originário do México, predileção do espanhol Almodóvar, discípulo do também espanhol que subverteu esse gênero na Pelmex cinematográfica mexicana, Nosso Senhor Buñuel. Depois do entomologista, lembrei-me da borboletinha que deve ter feito umas 2000 fotos, leve e solta, comeu um espaguete em Curralinho, adoraria ver essas fotos, vez por outra aparecia com duas amigas libélulas. Borboleta que veio de JUIZ DE  FORA, mais perto do Rio do que de BH, terra de gênios, dali é o Big Charles, o Emílio Moura, Arlindo Daibert, Hélio Quirino, José Luís Vieira, João Diniz, Geraldo Pereira, Fernando Rocha Pitta, Kim Ribeiro e o Antônio Guedes entre tantos outros que me fugiram agora. Foi lá que o José Sette morou um tempo e montamos O GENERAL, gravamos a trilha sonora no NAVE Estúdio com aqueles músicos maravilhosos.
E tá bom.
Onde andará a Nina inventada pelo Aragon, autor surrealista do TEORIA DO ESTILO, que juntinho da Fabrizia depois dos óculos só falavam no tom exato.
DIAMANTE DEVANEIO AO ÉTER, o quinto elemento, cantado pelo Lucas, que o doutor Fabrício assegurou como aliteração, figura de linguagem, do que não tenho como fugir. A linguagem não é uma coisa inata, não é um dom natural, mas um aprendizado.
Nesse filme do Almodóvar a personagem do diretor consegue resgatar um filme que, depois de quatorze anos, ele finalmente vai montar à sua maneira. Reproduzo aqui o diálogo final.
Diretor: - Acham que eu deveria continuar montando? Não sei se devo.
Jovem assistente: - Que disse? Estou curiosíssimo, morro de vontade de saber como termina.
Produtora: - É maravilhoso, Mateo...  
Jovem assistente: - É excelente, você deve voltar a estreá-lo!
Diretor: - Não, o importante é terminá-lo. Os filmes devem ser terminados mesmo que seja às cegas.
Já que trabalhamos com imagem, termino essa longa missiva com a imagem da belíssima e ótima atriz baiana Ingra Liberato, voando sobre Belo Horizonte na foto do inesquecível Lincoln  Continentino.
Vou mas volto. Na volta falo dos outros personagens da nossa viagem.
Positivo operante.


Baisers!





sexta-feira, 1 de outubro de 2010

BELO HORIZONTE: OLHAR OLHARES (José Américo Ribeiro)

publicado no jornal Estado de Minas – Caderno Pensar em 05/07/2003 

O olhar é mais importante do que o falar. O último filme de Fábio Carvalho, O General, é um convite à reflexão. É uma obra difícil para um espectador mediano acostumado com a decupagem clássica hollywoodiana, mas instigante para os apreciadores de um cinema reflexivo e inventivo. Fábio Carvalho retoma a tradição do cinema feito em Belo Horizonte, que é a de discutir e revelar as entranhas da cidade e de seus habitantes como um painel multifacetado de personagens poéticos e, ao mesmo tempo, desajustados. O seu média-metragem Conversando com Bardem já prenunciava esse tipo de abordagem.
Lola Mendes
O texto de abertura é de Carlos Drummond de Andrade, os poemas são de David Neves, falados por Carlos Reichembach, a ligação dessas três personagens são ingredientes dessa modernidade buscada.
Temáticas do cinema da década de 60 voltam como se fosse uma viagem no tempo e no espaço. O bar, mais uma vez, faz parte da geografia e da cultura desse novo cinema mineiro. É, outra vez, o local de enclausuramento, o lócus da solidão, das solidões compartilhadas, do tédio. A cena dos três amigos no banheiro é emblemática e trágica. “É melhor morrer de vodca do que morrer de tédio”, a frase é de Maiakovski e chave para o deciframento de partes do filme.
A personagem dançando representada por Ingra Liberato lembra o filme Pastores Desavisados, de Ricardo Teixeira de Salles, quando Marilena Martins dançava um balé etéreo, repetitivo e sem perspectivas. Aqui, agora, quem dança com ela é Paulo César Saraceni, com o letreiro “o cinema nasceu mudo”, reforçando mais uma vez a não necessidade da fala.
Isabel Lacerda
Retoma, ainda, os filmes de José (Zezinho) Sette de Barros, Goeldi, Um Filme 100% Brasileiro, com o mesmo Guaracy Rodrigues, que, no filme de Zezinho, faz o cicerone de Blaise Cendras em sua visita ao Brasil; no General, é um personagem lunático, embevecido com as menininhas dos bares da cidade. Guará é um capítulo à parte. Seu olhar inquisidor, sem nada dizer, mas dizendo tudo, vale o filme. Que olhar é esse, procurando aquele belo horizonte perdido? Outra referência é o Bang-Bang de Andrea Tonacci, nessa busca de dissecar e analisar a cidade, com o diálogo/monólogo de Milton Gontijo e Pereio, onde as pessoas falam e ninguém escuta. No General, o mendigo, vivido magnificamente por Ronaldo Brandão, retoma a questão: discute ética e moral com um cidadão de terno (Neville d`Almeida), presumidamente um político que se nega a olhar e a ver o povo, cada um segue com seu monólogo. Os personagens se sucedem; o amolador de faca com seu canto triste e ritmado, os funcionários da SLU andando despreocudamente pela praça Raul Soares, sem rumo e sem direção, a garota da praça que tenta tocar um solo de flauta, mas desiste por total falta de inspiração. São gestos inúteis, repetidos sem sentido.
Anna Maria Nascimento Silva
O General é, sobretudo, um filme musical, as sugestões produzidas pela música nos levam a caminhos ainda não percorridos, induzindo situações que não são aquelas mostradas pela imagem, mas sugeridas pelo som. A sequência da mulher nua com charuto, pontuada por uma música melodramática, muda o sentido da imagem, tirando a conotação erótica e sensual da cena, cortando para um insert do filme Suzana, Carne y Demonio, de Luís Buñuel. Outro momento tocante é Kimura Schetino, vestido com traje a rigor, com toda pompa e circunstância, tocando na gaita Aquarela do Brasil e terminando com o som de uma bandinha desafinada e Guará olhando e sendo olhado, sempre em silêncio.
8 e Meio de Fellini é intercalado várias vezes durante o filme, até que, em um determinado momento, Guará fala de sua paixão por Marcelo Mastroianni e Claudia Cardinale e uma mão acaricia o filme na tela da televisão. É uma relação amorosa entre o diretor e seu objeto. Guará brincando com as atrizes Isabel Lacerda e Eleonora Mendes saiu diretamente de um filme de Fellini.
Fábio Carvalho não esquece de outro diretor cultuado pela geração de 60, John Cassavetes, presente com o filme Faces. O seu compromisso com o cinema é tão grande que não se preocupa em momento algum em agradar ou desagradar ninguém. É um poema de amor a Belo Horizonte, uma cidade estranha, esquisita mesmo, mas é aqui que vivem estes personagens que transitam por ela. A longa sequência final mostra uma janela como se fossem diversos fotogramas de uma mesma paisagem, Belo Horizonte múltipla, poética, patética e cômica. E esse é o seu olhar comprometido com um modo diferente de mostrar e ver as coisas. O General não é um filme de público, mas, com certeza, provocará número infindável de discussões.
Algumas pessoas com quem convivo dizem que para um filme dar certo precisa ser comunicativo, estar sintonizado com o mercado, agradar ao público, em primeiro lugar. E onde fica o prazer do fazer cinematográfico? Da experimentação? Cinema deve ser brincadeira, jogo lúdico, embuste, enganar o público, indicar caminhos que levem a pistas falsas, construir personagens misteriosos, reverter à culpabilidade, indiciar inocentes. Tudo isso pode ser Hitchcock ou David Lynch. Por isso são muitas vezes execrados e incompreendidos pela crítica, porque não se levam a sério. Cinema, sobretudo, deve ser uma paixão e um prazer para quem faz.


Fotos de Lincoln Continentino.